Vanish Into Myth, 2023
HD video, b/w, sound, 3'55'' (loop)
Variable dimensions
Em 2019, encontrei em Londres, num mercado de rua, um álbum do início do século XX. Entre os negativos havia um que me chamou a atenção, talvez porque o homem, diante da Natureza, de costas para nós, me fez lembrar Der Wanderer über dem Nebelmeer (1818), de Caspar David Friedrich. Havia também, não só nesta imagem, mas em todas, um poder muito claro da Natureza que dissipava qualquer fantasia de uma vitória do Antropoceno.
Com os dias, descobri que este lugar, Gap of Dunloe (Dún Lóich, em irlandês), ficava na região sudoeste da Irlanda, no condado de Kerry.
Mais de três anos volvidos e aterrei em Cobh (Irlanda), para uma residência artística no SIRIUS. Confesso que, depois de uma semana inteira de tentativas debaixo de um intenso Inverno, estive para desistir de encontrar Dún Lóich. Tentei várias vezes, mas por falta de transporte e debaixo de chuvas insistentes, fiquei sempre pelo caminho. Mas foi então que, da mesma forma feliz com que este álbum chegou às minhas mãos, a minha sorte mudou. Tive sorte porque me cruzei com Andrea, a estagiária de curadoria da SIRIUS, que se ofereceu para me levar lá no meu último dia em Cobh.
Depois de algumas horas de viagem, estacionámos o carro e começámos a nossa caminhada. Connosco levávamos a fotografia antiga como guia, que nos deixava uma pista – uma ponte de pedra. A certa altura da nossa caminhada, encontrámos uma senhora a passear com o seu cão; perguntámos-lhe se sabia onde ficava a ponte. Era Mary Anne Coughlan, que tinha nascido ali, na Kate Kearney's Cottage, e que, por coincidência, alguns anos antes tinha escrito um livro sobre o local. Ela explicou-nos onde ficava a dita ponte. Andrea e eu andámos cerca de 17km até a encontrarmos. Estava suspensa sobre o lago Augher. Irei lembrar-me para sempre desta caminhada, neste lugar antigo, formado há 25.000 anos durante a última era glaciar da Irlanda, e onde hoje as montanhas guardam o segredo da água e as rochas conservam as pegadas de um tempo em que outros seres, muito maiores do que nós, caminharam nesta terra. Eu tive a certeza de que aquele dia de Inverno, entre as montanhas, os penhascos e os zurros, desvendava um dos mais antigos direitos: o direito ao segredo, ao intervalo.
Enquanto caminhávamos, uma passagem do livro “Fairy Water” (1873), da escritora irlandesa Charlotte Riddell (1832-1906), veio-me à cabeça. Neste livro, Riddell escreve sobre a “fada da água” e, através dela, tece uma metáfora sobre como não somos obrigados a contar os nossos sonhos ao mundo.
Enquanto caminhava pelas montanhas na companhia deste longo lago as peças do puzzle foram-se juntando: um filme antigo de Dún Lóich, que tinha encontrado meses antes; a frase do livro de Riddell; Mary Coughlan a ler essas linhas. E assim surge “Vanish Into Myth” (2023), recordando o direito em acreditar na magia, o direito de sonhar, o direito ao segredo, ou, citando Godard, o simples direito de guardar para nós uma parte da indeterminação.
AnaMary Bilbao, 2023
TEXTO
“Where is fairy water you ask?
Every person has her secret and the locale of fairy water is mine.
About this time in each year I begin to dream of it,
But I am not bound to tell my dreams to all the world.”
(excerto de "Fairy Water", 1873, por Charlotte Riddell)
SOM
Adaptação da música “Loughnashade Lament” (2016), de John Kenny, com antigas trompas celtas.
VOZ
Mary Coghlag
APOIO
Sirius Arts Centre
AGRADECIMENTOS
Miguel Amado
Mary Coghlan
Andrea Spörri
Aideen Quirke
Megan O’Driscoll